2ª Guerra Fria?
Igor Lima de Mello
O presidente Lula visitou o Centro de Pesquisa da Huawei em Xangai, e com isso o Brasil reforçou presença em um dos lados da disputa global com os principais fornecedores mundiais de tecnologia. Ao apresentar parte do plano chinês para digitalizar o país oriental, a Huawei aproveitou para se afirmar como fornecedora de soluções através de um projeto de “Nação Digital”, abrangendo infraestrutura e uma rede de dados em nuvem. Tratando-se de 5G, a diferença de progresso entre Brasil e China é evidente: enquanto os chineses têm 2 milhões de estações de base de propagação da internet, nós temos aproximadamente 100 mil.
Embora a visita do presidente não tenha se encerrado com um acordo concreto, as últimas interações entre Brasil e China não tem ecoado bem para os Estados Unidos, outro principal fornecedor de tecnologia. No dia 13 de abril o Washington Post, principal jornal norte-americano, publicou uma matéria intitulada de “O ocidente esperava que Lula fosse parceiro. Ele tem seus próprios planos”, dando sinais de que o Brasil não estaria em alinhamento político e comercial com os Estados Unidos.
A concorrência entre Estados Unidos e China, no que se refere a autoridade tecnológica, tem um contexto traçado ao longo dos últimos cinco anos. Em 2012, um engenheiro da ASML (empresa na Holanda que era a única capaz de desenvolver a máquina que fabricava chips semicondutores mais avançados da época) deixou seu trabalho e fundou duas novas companhias, uma nos EUA e uma na China. Além disso, contratou mais dois engenheiros chineses da ASML para sua companhia, os quais trouxeram informações desviadas sobre o funcionamento da máquina de chips da ASML.
A fabricação dos semicondutores passou a fazer parte do plano do governo chinês para se tornar o player mais significante na indústria tecnológica global. Porém, com o avanço da operação norte-americana, o plano esbarrou na corrida de desenvolvimento. As primeiras empresas responsáveis pela fabricação dos chips semicondutores nasceram nos EUA e só podiam ter o governo americano como cliente. Para eles, ter os computadores mais avançados seria determinante para estabelecer poder em nível mundial.
Os chips são componentes fundamentais à uma enorme quantidade de itens indispensáveis à vida contemporânea, como automóveis, computadores, celulares, televisores, navios, foguetes, eletrodomésticos, dentre tantos outros. Além disso, são elementares nas ferramentas de inteligência artificial, serviços de nuvem, ciência de dados, internet das coisas, o que naturalmente impacta a cyber segurança, o desenvolvimento energético, da agropecuária, dos setores de alimentos e farmacêutico, por exemplo.
Com o passar dos anos, as empresas fabricantes de chips estenderam a produção para a Ásia, a fim de ampliar a base de clientes e em busca de mão de obra mais barata. Não demorou muito para que esses países asiáticos começassem a fundar seus próprios empreendimentos (Toshiba no Japão, por exemplo), ou seja, a potência norte-americana não estava mais sozinha na liderança do mercado de chips avançados.
O governo chinês seguiu investindo dinheiro em suas próprias companhias de desenvolvimento de chips e se aproximou rapidamente do patamar dos EUA, porém ainda não era capaz de produzir chips tão avançados por falta de equipamento e softwares que eram propriedade americana.
Em 2022, Joe Biden proibiu que todas as companhias americanas vendessem chips avançados para a China, também vetou que empresas chinesas utilizassem softwares e equipamento desenvolvidos nos EUA e ainda impediu que outras empresas globais que usam tecnologia dos EUA vendam chips para o território chinês. Um embargo de semicondutores.
A decisão dos EUA também interfere no conflito entre Taiwan e China, visto que Taiwan manufatura cerca de 63% dos chips e 92% dos chips avançados. EUA colocou Taiwan sob a posição de escolher se relacionar comercialmente apenas com os EUA ou apenas com a China. Se essa medida alcançar todos os países envolvidos no processo de fabricação dos chips avançados, além dos parceiros comerciais, podemos ter uma segunda Guerra Fria, desta vez, uma guerra tecnológica.
O risco de uma nova ordem de separação geopolítica está tomando forma e, sem dúvidas, as restrições comerciais impostas pelas duas potências (EUA e China) são o maior perigo para a relação brasileira com os países. O fortalecimento do BRICS com a chegada dos novos integrantes (Bangladesh, Emirados Árabes Unidos e Egito) também é desaprovado pelos Estados Unidos.
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